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Modelos de trabalho em reconstrução no Brasil
Flexibilidade, bem-estar e segurança jurídica: por que as empresas precisam liderar a próxima reforma dos modelos de trabalho e inspirar mudanças
O paradoxo atual
O trabalho mudou, mas os modelos de trabalho não acompanharam. Continuamos presos a estruturas de outro século — e o preço aparece em cada pesquisa de engajamento, nas conversas de corredor e nas demissões de profissionais, jovens ou experientes, que não se encaixam em modelos arcaicos.
A Gallup confirma essa sensação: no relatório State of the Global Workplace 2025, apenas 21% dos trabalhadores no mundo se declaram engajados. Entre gestores, a queda foi ainda mais dramática: de 30% para 27% em apenas um ano. Só um terço das pessoas sente que está “thriving”, ou seja, prosperando e vivendo uma vida plena. Essa desconexão não é apenas emocional: traduz-se também em perda de produtividade global.
Se nos mercados mais maduros a realidade já é preocupante, no Brasil ela é ainda mais desafiadora, onde muitas empresas ainda medem presença em vez de resultado ou impacto.
O ponto de partida brasileiro
A Lei 14.442/2022 trouxe avanços ao regulamentar o teletrabalho, reconhecendo diferentes modalidades de execução e garantindo prioridade a pais de crianças pequenas e pessoas com deficiência. Em 2021, o visto de nômade digital também abriu portas para talentos estrangeiros interessados em viver e trabalhar no país.
Mas ainda é pouco. O mundo do trabalho pede modelos que combinem segurança jurídica e flexibilidade, produtividade e bem-estar, vida profissional e pessoal.
O que o mundo já faz e os obstáculos que enfrenta
Singapura
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	Iniciativa: Desde dezembro de 2024, toda empresa deve seguir as Tripartite Guidelines on Flexible Work Arrangement Requests, que garantem ao funcionário o direito de solicitar home office, jornada reduzida ou horários alternados. A empresa precisa responder formalmente e justificar eventual recusa. 
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	Desafio: PMEs relatam carga administrativa extra, resistência de líderes em abrir mão do controle presencial e dificuldade em medir produtividade em modelos flexíveis. 
Reino Unido
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	Iniciativa 1: Desde abril de 2024, qualquer trabalhador pode solicitar arranjos flexíveis desde o primeiro dia de contrato. O empregador tem dois meses para responder e só pode recusar com justificativas objetivas. 
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	Desafio: Empresas enfrentam dificuldades para responder dentro do prazo legal e manter consistência nos critérios. A cultura de “resolver na conversa” ainda prevalece, gerando insegurança em alguns casos. 
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	Iniciativa 2: No piloto de 2022–2023, 61 empresas testaram a semana de 4 dias sem corte de salário. 92% mantiveram o modelo, com queda de 39% no estresse e aumento no bem-estar. 
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	Desafio: Exige revisão profunda de processos. Pequenas empresas tiveram dificuldade em reorganizar turnos e atendimento contínuo. 
Portugal
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	Iniciativa: Em 2021, reforçou o regime de teletrabalho, reconhecendo custos de energia e internet como compartilhados e consagrando o direito à desconexão. Gestores não podem exigir contato fora do expediente, salvo emergências. 
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	Desafio: Muitos trabalhadores ainda recebem mensagens após o horário. A efetividade depende de acordos internos e, em setores essenciais, é difícil de implementar. 
França
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	Iniciativa: Desde 2017, empresas com mais de 50 funcionários são obrigadas a negociar políticas de desconexão. O droit à la déconnexion virou referência global. 
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	Desafio: Aplicação varia. Algumas empresas bloqueiam acessos fora do horário, outras apenas recomendam boas práticas. O respeito depende da cultura e da liderança. 
Japão
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	Iniciativa: A Work Style Reform Law (2019) limitou a 45 horas extras mensais e criou novas licenças, como para cuidado de familiares. 
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	Desafio: A cultura de longas jornadas persiste. Muitos ainda ultrapassam o limite por pressão implícita, dificultando o equilíbrio entre produtividade e saúde mental. 
Nova Zelândia
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	Iniciativa: Garante a qualquer trabalhador o direito de solicitar mudanças de horário ou local desde o primeiro dia, com resposta obrigatória em até um mês. 
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	Desafio: Pequenas empresas enfrentam dificuldades de adaptação, e setores presenciais sentem-se pressionados a justificar recusas constantemente. 
Onde estão os atritos
Trazer flexibilidade não é simples. Entre os pontos de tensão estão:
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	Controle de jornada: como evitar sobrecarga invisível? 
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	Equidade entre funções: como lidar com áreas que não podem ser remotas sem gerar sensação de injustiça? 
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	Carreira e visibilidade: como combater o viés da proximidade e garantir oportunidades iguais? 
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	Custos e infraestrutura: quem deve arcar com internet, ergonomia e segurança da informação? 
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	Saúde mental: como transformar flexibilidade em liberdade, e não em burnout? 
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	Diferenças geracionais: jovens buscam autonomia e propósito; profissionais 40+ e 50+ valorizam previsibilidade, tempo para família e preparação para o pós-carreira. 
Atritos existem, mas podem ser tratados com políticas claras, métricas e diálogo.
Roteiro prático para empresas
As empresas têm o papel central de liderar a mudança, mesmo diante dos desafios. Para isso, precisam de uma estratégia estruturada:
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	Diagnóstico: mapear funções elegíveis, ouvir colaboradores, entender demandas reais. 
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	Política clara de flexibilidade: critérios, prazos de resposta, justificativas de recusa, regras de desconexão, custeio de infraestrutura. 
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	Pilotos com métricas: testar modelos híbridos, semanas reduzidas, horários comprimidos, job sharing. Medir engajamento, produtividade, turnover e saúde mental. 
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	Capacitação de líderes: desenvolver competências para gestão por resultados, comunicação remota, rituais de feedback e cuidado com limites. 
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	Governança e compliance: ajustar contratos, registrar jornadas quando aplicável, prever ergonomia e infraestrutura. 
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	Articulação pública: pautar ajustes legais por meio de associações e conselhos: direito à flexibilidade, direito à desconexão, guias de teletrabalho e sandboxes regulatórios. 
Um chamado à liderança
Flexibilidade sem responsabilidade é moda. Responsabilidade sem flexibilidade é passado.
O futuro do trabalho no Brasil pede empresas protagonistas — que testam, medem, aprendem e influenciam. Cabe às organizações pressionar por ajustes na CLT, trazer benchmarks internacionais e ajudar a construir políticas que protejam, mas também liberem talentos.
A régua já mudou. O que funcionava antes não funciona mais. E se as empresas quiserem garantir espaço no futuro do trabalho, é hora de liderar.